terça-feira, 27 de março de 2012

[...] "Na verdade, tentava entender como é que se entregava tanto àquele homem sem pestanejar. Não encontrou uma resposta absoluta em um nível inexplicável. Era surpreendente a forma como ele a entendia sem nunca dar o menor sinal de estar ali para julgá-la ou avaliar seus atos. O olhar das pessoas sempre mudava quando a Laura começava a expor seus pecados e falar sobre o episódio mais trevoso de sua vida miserável. Então, ao mais tênue indício de julgamento, ela simplesmente travava, não conseguia mais falar, não conseguia mais colocar pra fora toda a amargura e o sofrimento que se juntavam em seu corpo, como os sedimentos sujos e pesados em um braço morto no fundo de um rio. Tudo aquilo ia estagnando dentro dela, transformando-se em ácido, em veneno puro q corroía toda a sua vontade. Lutava desejando nadar pra fora daquele pesadelo viscoso, juntava todas as forças para não afundar, porque quando afundava, sua vida ficava insuportável e todo o desejo de continuar trilhando a estrada de tijolos dourados se esvaía. Ela se deixava jazer no fundo do leito denso e captor, feito morta, para não ouvir mais choro da criança, não escutar mais a primeira noticia dada a ela após voltar a consciência. Apertava os olhos para não se lembrar dos olhos do ex-marido. Os olhos que ela tinha esvaziado de vida. Eram tão parecidos com os do bebê, o bebê sempre sorria para ela ao largar o bico do seu seio. A pobre criança que confiava tanto nela. Laura sentia-se uma estrela morta, fria e gelada, sem massa, incapaz de fazer orbitar ao seu redor, qualquer coisa que a amasse. Então começava a emitir sua mantra da culpa, até que uma alma bondosa conseguisse lançar luz naquele fosso de trevas ou ela, por razões que nunca conhecia, escapasse daquela prisão sem muros, fingindo dia após dia que não era cativa, fingindo dia após dia que queria estar ali, com os olhos fechados, o rosto erguido se aquecendo ao sol. Tudo isso vibrava um milésimo de centímetro abaixo de sua epiderme. Talvez por esse motivo, mais do que depressa ela vestiu um sorriso e encarou Miguel, numa tentativa de afastar aquele homem de sua masmorra pessoal."


                                                                                                     

                                                                         -O Caso Laura - André Vianco (pág. 59/60)

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